40 anos NOVA FCSH
Francisco José Viegas

Francisco José Viegas, caloiro aos 17 anos

Escritor, poeta, cronista, professor, editor da Quetzal, diretor da revista Ler, Francisco José Viegas vestiu a pele de várias personagens, desde que foi aluno da NOVA FCSH, incluindo a de secretário de Estado da Cultura, entre 2011 e 2012. Homem das palavras, chegou em 1979 para estrear o curso de Estudos Portugueses mal abriu.

“Se há coisa que não se ensina nas faculdades é a escrever romances”. Francisco José Viegas não tem dúvidas em afirmá-lo, mas reconhece que o curso de Estudos Portugueses o ajudou a trilhar o seu longo caminho pelos livros, no qual se contam mais de 30 obras publicadas.

Nos tempos de estudante lia muito mais livros de história e linguística do que romances. Recorda-se, por exemplo, de ler As Palavras e as Coisas de Michel Foucault, “um dos autores mais influentes da época, tal como o Roland Barthes”. Contudo, apenas quatro anos depois de se licenciar, publicou o seu primeiro romance, Regresso por um rio, em 1987. Já lá vão mais de 30 anos desde a sua publicação, mas as palavras da contracapa perduram: “História íntima do rio do autor, o Douro”.

Nasceu na aldeia do Pocinho e, ainda que se tenha mudado para a cidade de Chaves aos oito anos, nunca o Tâmega tomou o lugar do seu rio de coração. E custou-lhe, custou-lhe mesmo muito, mudar-se para Lisboa. “Sentia falta daquele universo, sentia falta daquele sotaque, sentia falta da comida.”

Havia um espírito novo, fruto também do regresso de muitos professores que estavam exilados no estrangeiro ou afastados do ensino, antes do 25 de Abril, e uma série de cursos novos, incluindo o seu, o primeiro do país de Estudos Portugueses.

Tinha apenas 17 anos quando se tornou caloiro da NOVA FCSH, corria o ano de 1979. Nessa altura, as distâncias mediam-se em tempos bem mais longos do que hoje, e ir a casa demorava ainda mais do que as nove horas de Lisboa a Bragança, cantadas pelos Xutos & Pontapés. “Saía às sete da manhã, para chegar apenas às sete da tarde.”

Não lhe restava alternativa senão ir visitar os pais muito raramente, por isso passou o seu primeiro ano entre o “quarto com vista para o Tejo, os autocarros 18 e 42 e a faculdade”. Sempre um rio por perto a guiar-lhe os passos. Dedicava a maior parte do tempo a estudar, mas está longe de se considerar um marrão: “Às vezes até era um bocadinho flâneur”, palavras suas.

Entrou na faculdade com a ideia de que se trabalhava a sério e não ficou desiludido. Havia um espírito novo, fruto também do regresso de muitos professores que estavam exilados no estrangeiro ou afastados do ensino, antes do 25 de Abril, e uma série de cursos novos, incluindo o seu, o primeiro do país de Estudos Portugueses.

Ri-se ao recordar-se da realidade dessa altura: “Uma parte da faculdade ainda era quartel e era comum haver militares no pátio, especialmente por causa das minhas colegas. Foi uma época muito especial, tratávamos tudo o que era secretariado por tu, havia uma relação muito próxima.”

Imaginou-se professor universitário e assim foi, até 1987, na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora. No entanto, na sua vida profissional há lugar para muitos papéis. Guilhermina Gomes – amiga e colega, desde que ingressou na equipa da Ler, em 1987 – confessa a sua admiração pela capacidade de fazer uma série de coisas. “É jornalista, é escritor, foi secretário de Estado, é editor, é diretor de uma revista, fala sobre futebol…” O próprio rejeita a existência de uma carreira e revela que, de cada vez que muda de profissão, é um ponto alto. “Um conselho que eu dou sempre é que não façam apenas uma coisa.”

“O jornalismo deixou de contar histórias e passa a vida a catequizar-nos, a dizer como é que nos devemos comportar, a dizer como é que devemos ser — não quero, para isso compro um livro.”

Considera-se “uma pessoa que precisa de trabalhar e trabalha onde lhe dão trabalho” e admite que não escreve apenas por prazer, mas também por dinheiro. Atualmente colabora com o Correio da Manhã, “um desafio tremendo”, pois escreve uma coluna diária desde 2007. “São dez anos a escrever todos os dias — só interrompi quando estive no Governo.” Orgulha-se de trabalhar neste jornal e é crítico da chamada imprensa de referência: “O jornalismo deixou de contar histórias e passa a vida a catequizar-nos, a dizer como é que nos devemos comportar, a dizer como é que devemos ser — não quero, para isso compro um livro.”

Quando se fala das mais de 30 obras publicadas, ri-se com espanto, e diz que nunca as tinha contado. “É um autor indisciplinado”, assim o caracteriza Manuel Valente, seu amigo e editor desde 1992. “Não cumpre totalmente os prazos que anuncia; diz que vai ter o livro pronto no fim do mês, mas afinal é um mês depois. Mas é fácil trabalhar com ele.” O próprio reconhece que só tem uma rotina em momentos de pressão, aí tem um horário muito rígido. “As pessoas acham estranho, mas eu gosto de trabalhar de madrugada, levanto-me por volta das 4, trabalho a partir das 4h30 até às 10”, diz e ri-se ao lembrar que quando se levanta é quando os jovens se deitam e é exatamente por isso que trabalha a essa hora: “O mundo está mais silencioso.”

Tanto o editor como a colega da Ler o classificam como “um belo escritor português”. Manuel Valente lamenta que o seu nome seja muitas vezes esquecido por escrever principalmente livros policiais, um género literário visto como menor. “No caso do Francisco, o policial é só um pretexto que lhe serve para falar de tudo e da vida.” Por seu lado, Guilhermina Gomes sublinha os outros géneros a que se dedica, entre a poesia, as crónicas, os livros infantis e, uma das paixões de um reconhecido epicurista, a culinária: “Nem todos os poetas conseguem ser romancistas, nem todos os romancistas conseguem ser poetas.”

Em contraste com os elogios, é com sentido de humor que o autor escreve uma dedicatória no seu primeiro romance: “Um livro que prova a existência de má literatura”. Lamenta que se leia pouco em Portugal e recorda como era diferente a sua experiência de estudante: “Esperávamos ansiosamente pelos novos livros, contávamos as semanas, os dias, para determinado livro ser publicado.”

Hoje, Francisco José Viegas está tranquilo a “fazer livros” e um dos seus sítios de eleição é uma esplanada, onde pode estar, sem falar com ninguém, a fumar. Conta que um dia destes quer voltar a estudar, talvez para o ano.

 

Francisco José Viegas foi aluno de Estudos Portugueses da NOVA FCSH entre 1979 e 1983.

 

Rita Rosa e Alda Rocha