Leonor Machado de Sousa é uma das fundadoras da Universidade Nova de Lisboa, mas as grandes emoções viveu-as na abertura da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Acompanhou a par e passo as atribulações próprias de um nascimento, inclusive andar a tomar conta de pedreiros, no mês de todas as verdades na Avenida de Berna.
Quarenta anos passados, poucos imaginarão quão agitado foi o mês que antecedeu a abertura de portas, a 9 de janeiro de 1978. Leonor Machado de Sousa sorri enquanto desfia as recordações dessa época. A aventura, na verdade, começou anos antes, quando em fevereiro de 1974 se tornou a segunda docente a juntar-se formalmente ao embrião da Universidade Nova, a seguir a José Ribeiro da Fonte.
Nessa altura, o projeto era bem diferente daquele que haveria de materializar-se depois. “A ideia era criar uma coisa conjunta em que os alunos pudessem estudar ciências e letras ao mesmo tempo. Aquele núcleo inicial tinha como função dar forma a essa ideia”, recorda. Enquanto isso, foram conhecendo várias moradas. Do edifício do ISCAL, passaram para um prédio da esquina da Av. Barbosa du Bocage com a Av. da República, onde tinham vizinhos muito particulares. A Embaixada da Rússia também se tinha instalado lá e os funcionários não pareciam primar pela simpatia. “Sempre sisudos quando nos cruzávamos no elevador”, conta divertida. Daqui iriam para o Seminário dos Olivais e seria já neste endereço pouco laico que os futuros alunos acabariam por se inscrever.
Separámos as línguas e fizemos cursos de Português-Francês, Português-Inglês e Português-Alemão. Esta diferença salvou a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas”, não hesita em afirmar.
No meio tempo, ministraram cursos livres que refletiam ainda o projeto pluridisciplinar que fora a criação da NOVA e que seria abandonado. Acabaram por se manter próximos dos modelos já existentes de faculdades distintas, mas modificando os cursos oferecidos no seu departamento. “A novidade foi mudar as combinações habituais de Românicas e Germânicas. Separámos as línguas e fizemos cursos de Português-Francês, Português-Inglês e Português-Alemão. Esta diferença salvou a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas”, não hesita em afirmar.
Contaram também com uma máquina de marketing em versão analógica que fez toda a diferença: foram expedidas dezenas de cartas para os alunos de Línguas Modernas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. “Quando se fizeram as inscrições nas faculdades, nós não existíamos, mas graças à inestimável colaboração de duas funcionárias da reitoria, a Sra. D. Maria de Lurdes Girão e a Sra. D. Maria Helena Sales, muitos alunos ficaram a saber dos nossos cursos. Se lhes agradassem, podiam pedir transferência.”
No entanto, antes que pudessem receber os alunos, havia uma etapa fundamental que precisava de ser ultrapassada. As obras de adaptação das instalações militares tinham de ser feitas num tempo recorde. Convém recordar que se estava em pleno inverno, frio e chuvoso, depois da publicação em novembro do decreto-lei que dava corpo à divisão da NOVA em faculdades. Oliveira Marques, presidente da comissão instaladora, foi perentório, recorda a professora: “Se não começarmos as aulas a 9 de janeiro não haverá faculdade.” E é neste contexto que lhe pede que supervisione as obras. “Tinham mesmo de estar terminadas a tempo da abertura das aulas e o Prof. Oliveira Marques declarou que eu conseguia meter os operários na ordem”, ri-se com vontade. “Lá andei de capacete no meio dos pedregulhos, foi muito animado.”
A verdade é que os alunos seriam recebidos na Av. de Berna na data estabelecida, ainda que os trabalhos continuassem.
No meio de toda esta azáfama, ainda foi prestar provas de doutoramento, quase às escondidas e numa casa emprestada. “A Universidade de Lisboa emprestou-nos a sala dos doutoramentos, mas era um dia de greve dos alunos, estava tudo na rua.” Daí o receio de que não pudessem levar a bom porto o que estava marcado. “Combinou-se não anunciar coisa nenhuma” — a expressão a revelar o nervoso vivido nessa altura. “Estava só meia dúzia de pessoas, praticamente todas da família. Havia inclusive um professor escocês que fazia parte do júri, era uma complicação se não se pudesse fazer nesse dia.” Mas acabou por correr tudo dentro da normalidade da época.
A verdade é que os alunos seriam recebidos na Av. de Berna na data estabelecida, ainda que os trabalhos continuassem. “Começámos num dia de chuva e vento. Os corredores cá de baixo eram só folhas e porcaria que vinha da rua, estava um tempo levado da breca.” Hesita um pouco, tentando avivar a memória. “Tenho a impressão de que foi no segundo dia. De repente, em plena aula de Problemas da Cultura Portuguesa, ouve-se um estrondo.” Tinha sido a porta que caíra — como muitas outras ainda só estava encostada.
“Foi o mês mais intenso das nossas vidas” — faz uma pausa. “Eu sei lá. Foi muito complicado, mas valeu a pena, acho que valeu a pena.”
Leonor Machado de Sousa é professora catedrática jubilada da NOVA FCSH, foi vice-reitora da Universidade Autónoma e a primeira mulher diretora da Biblioteca Nacional.